segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Menina X

    Era uma vez...

a luz apagada nos olhos da Menina X, que se acendeu quando ela assistiu uma palestra na escola e decidiu que queria ser assistente social para ajudar os outros, ajudar sua mãe, ajudar a si.

    Menina X falou com a professora, falou com a Mãe X, falou com uma senhorinha de cara boa e todas disseram: estuda Menina X, faz teu futuro, se faz feliz.

    Menina X era inteligente e passou a estudar mais. Não tinha dinheiro, mas atravessava a cidade pra ir na biblioteca quando não estava na escola.

    Um dia, na biblioteca, conheceu o Menino X. Bonito, amável, inteligente, ajudou ela a estudar. Menina X se encantou e o Menino X falou que ela não precisava se preocupar, que ele ia se proteger, que ia proteger os dois, mas depois desapareceu, deixando a maior lembrança que podia.

    Menina X teve que ir sozinha contar pra Mãe X que tinha sido só uma vez, que confiou, que achou que sabia amar, mas que agora ia trabalhar, que se a Mãe X ajudasse, ela ainda ia realizar.

    Menina X pariu, amamentou, trabalhou, voltou pra escola, passou na prova pra faculdade.

    - Com bolsa Mãe X, não vou precisar pagar.

    Que alegria aquele dia, que orgulho pra Mãe X, que já tava mais velha que devia, mas ainda dava pra amparar o Bebê X enquanto a filha tentava melhorar a vida deles.

    Menina X ficou até mais tarde organizando os produtos no mercado no do Seu Y, de onde tirava o sustento. Ia precisar mais dinheiro, a bolsa pagava o curso, mas não pagava os livros nem o ônibus.

    E fez calor suficiente pra saia ir até o joelho, pra blusa ajustar no corpo, pro Seu Y se achar no direito.

    Menina X correu pra casa da amiga que lembrou que ela precisava do emprego, que disse que ninguém ia acreditar, que Seu Y era de família e ia todo domingo na igreja.

    Menina X se calou, abaixou a cabeça, passou calor, passou vergonha, o medo não passou, mas o mês passou e o sangue não desceu.

    Menina X falou com a amiga, que disse que a senhorinha de carinha boa, da rua de traz, fazia tricô, que tricotava bebê também.

    Menina X não queria, mas a mãe já não podia ajudar mais, ainda tinha o Bebê X, ainda tinha a chance que não podia passar, ainda tinha a dor de como aquilo aconteceu, ainda tinha aquele medo que não deixou denunciar, ainda tinha o Seu Y que era pai de família e ela que já tinha feito filho na adolescência  (VADIA).

    Chorou 5 noites, mas não tinha opção.

    Foi no ateliê da senhorinha de cara boa, que foi tricotar o bebê, pesou a mão e furou a tripa.

    O sangue correu mais que todo mundo queria.

    O feto não desenvolveu; a senhorinha de cara boa ficou sem ateliê; o Bebê X ficou sem mãe; a Mãe X ficou sem sustento, sem acreditar, sem Deus, sem sua menina; a amiga ficou com culpa; o Seu Y era homem de família, fraquejou por causa blusa justa, mas nem tinha a ver com isso.
    Seu Y ficou.

    Menina X não ficou. Até o fim perdeu sangue, perdeu os sonhos, perdeu o emprego, perdeu a bolsa, perdeu a vida.

  Se fosse legalizado, ela teria ido no médico, ela teria tido apoio, ela teria tido aconselhamento, talvez ela até teria tido outra escolha. Mas tudo que ela teve foi dor, medo, solidão e...

 fim.